sexta-feira, 21 de setembro de 2012

REFLEXÃO ASSIMÉTRICA



      Meu defeito, defeito meu, ou seria minha qualidade? É como fruto, doce e vistoso ostentado por uma árvore podre. Mais do que isso, é algo íntimo, sou eu, é parte de mim e vital para minha existência. Eu deveria ser acometido de bajulações e aplausos por ter tanto afinco e dedicação. Mas não, antes me chamam: presunçoso, obstinado e idólatra.

      Ao contrário do que pensam, não o faço para despertar atenção alheia, apenas quero a perfeição. Já os advirto: Pensem bem antes de me rotularem narcisista ou irem além imputando a mim soberba. Pois meu ponto de vista é sublime, conciso e eloquente, bem diferente da visão astigmática dos que me rodeiam.
      
      Se pudessem ver tudo como eu vejo! Como queria agraciá-los com esta reflexão simétrica para romperem seu casulo alçando voo rumo ao novo mundo. Quem sabe assim deixem de serem lagartas. Que bobagem! O máximo que podem chegar, talvez, é tornassem uma mariposa que perece envolta em luz noturna. Que vivam eternamente confinadas em seu cárcere hermético, pois eu irei usufruir da vasta pradaria, onde tenho um reino que erroneamente chamam vaidade. 

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Cotovia


Ei, sussurra no meu ouvido,
Palavras aprazíveis, únicas.
Estremeço...
Pousa grácil nos meus ombros,
Seu canto enebria e enlouquece.
Tua voz persuasiva, 
Farta-me de sonhos impossíveis.
Não pare de entoar seu canto,
Eloquente, minha irresistível, cotovia.

Olhos Negros


Lago negro, caudaloso...
Tu me afogaste em tua íris,
Opaca gema impenetrável.

Eclipsa a chama perturbadora,
Guarda-me no teu ninho,
Invisível, profundo ônix.

Doces são os olhos negros!
Sossegado posso esvanecer,
Estou seguro até o poente...

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

SONHO DE UM OREIA



 Mais um traçado. Só faltava isto para encher as sapatas. O Suor escorria pela testa, sua camisa ensopada estava grudada ao corpo. Afinal foram 12 massadas de concreto, os braços já estavam muito doloridos.

- Ei, Oreia, falta quinze pra meio dia. Vai buscar a marmita! Gritou o pedreiro.

- Já vou Seu Zé! Respondeu o jovem largando a enxada.

Sossegadamente caminhou até a torneira, girou a válvula, lavando as mãos e o rosto. Por fim, meteu a cabeça n’agua gelada, penteando os cabelos com a ponta dos dedos.

- Mas é uma febre tife, ô bicho da gota, vai buscar o de comer! Mais uma vez gritou o pedreiro.

- Sim, já estou indo!  Respondeu o rapaz saindo apressadamente.

Caminhando às pressas, tirou o celular do bolso, verificando aliviado: 12h: 02min. Já está na hora, pensou o jovem sentando numa pilha de tijolos na calçada. O prédio que estava construindo projetava uma maviosa sombra sobre os tijolos. Cansado, sentou-se.

Mal havia se aconchegado sobre os tijolos e já vinha o motivo de sua inquietação diária. Virando a esquina, seguia alegremente um trio de garotas, de um colégio próximo. O rapaz rapidamente deu um salto, fazendo uma pose, à la malandro, apoiando uma das mãos na cintura e outra na pilha de tijolos. Mas quase lhe faltavam forças nas pernas, quando o adocicado perfume penetrou em suas narinas.
A dona da sedutora fragrância era uma linda jovem de cabelos castanho-claro, olhos amendoados, e uma pele branca como leite. Seu uniforme de colegial propiciava pensamentos fetichistas, o que fazia o jovem ficar paralisado.

Psiu, Psiu! Era a única coisa que conseguia fazer após as jovens passarem por ele. Elas, por sua vez, retribuíam com modestos sorrisos, pequenas reboladas provocativas. Para o jovem era como ganhar o dia, aqueles pequenos flertes. Mas quando elas sumiam no fim da rua, a magia acabava. Ele voltava a ser um mulato, nordestino e servente de pedreiro. Nunca conseguiria namorar uma moça rica, nem mesmo pôde ir à escola, era apenas mais um oreia numa construção em São Paulo.